A conquista das Prefeituras do Nordeste pelo Centrão
Avanço estratégico do centrão nas prefeituras nordestinas redesenhará o cenário político regional e nacional, pavimentando o caminho para uma governabilidade cada vez mais negociada
A nomenclatura “centrão” surge a partir dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987–1988, quando um grupo de parlamentares conversadores reagem institucionalmente contra os constituintes mais associados à ala progressista que defendia mais direitos trabalhistas e a reforma agrária.
Na conjuntura da última década, o centrão foi ressignificado a partir das disputas de poder no baixo clero da Câmara dos Deputados. Tratava-se, em 2014, de um grupo de deputados federais insatisfeitos com a distribuição de emendas e cargos oferecidos pela então presidente Dilma Rousseff. Aproveitando-se dessa insatisfação, Eduardo Cunha se elegeu em primeiro turno, abrindo um flanco para os primeiros conflitos com a presidente.
Para a imprensa brasileira, o centrão, hoje, pode ser definido como um conjunto de parlamentares de diversos partidos (PP, PSD, União Brasil, Republicanos, Solidariedade, etc.) que tradicionalmente são governistas e fisiológicos. A primeira característica se associa ao fato deste bloco sempre apoiar todos os governos eleitos, seja de direita ou de esquerda. Como já mencionado, o grupo foi responsável por afiançar o governo de Dilma Rousseff até a chegada de Eduarda Cunha à presidência da Câmara dos Deputados.
Mais recentemente, eles foram os principais responsáveis pela continuidade do governo Bolsonaro em meio à pandemia de Covid-19, não sem o custo de controlarem mais de R$ 150 bilhões por meio do orçamento secreto. Eles são ainda fisiológicos, uma vez que privilegiam seus próprios interesses na obtenção de recursos e cargos públicos a despeito de interesses públicos.
Essas complexas relações vivenciadas no âmbito federal (eleição de presidente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, emendas PIX e cargos nos ministérios do governo Lula) pode ser compreendida também a partir das eleições municipais, haja vista que são os prefeitos que garantem, de certa forma, a vitória dos deputados federais na eleição seguinte.
Eleição de 2020
Ao se cruzar dados do DivulgaCand, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), especificamente sobre prefeitos eleitos em 2020 na região Nordeste, foi possível perceber que o centrão lidera com o maior número de mandatários eleitos na região — um reduto historicamente mais ligado ao campo de esquerda nas eleições para a presidência da República.
Com 16,2% dos prefeitos eleitos, o PP foi o partido com maior sucesso na eleição de prefeitos no Nordeste. Logo atrás, o PSD também foi bem-sucedido, com 13,8% dos prefeitos eleitos. É significativa que os partidos mais bem-colocados na região sejam do centrão, demonstrando sua relevância ao nível regional.
Os partidos do centrão (como PP, PSD, DEM e Republicanos) foram os grandes vencedores nas eleições municipais no Nordeste em 2020, demonstrando o fortalecimento de um bloco político que, apesar de não ser necessariamente ideológico, atua de forma estratégica para garantir governabilidade e influência.
Essa ascensão no Nordeste se deve, em parte, à capacidade desses partidos de adaptar suas plataformas às necessidades e expectativas locais, além de sua ampla rede de apoio político e econômico. Essa região, historicamente associada ao domínio de partidos de esquerda, viu um avanço de partidos que se posicionam mais ao centro ou até mesmo em campos mais conservadores (como o PL, com 7,9% de prefeitos eleitos, ultrapassando o PT, com 5,2%), capitalizando em cima de um eleitorado que busca mais pragmatismo nas questões administrativas locais.
A eleição de muitos prefeitos por partidos do centrão também implica numa maior influência dessas siglas no controle dos recursos e na implementação de políticas públicas municipais, o que invariavelmente repercutirá nas eleições estaduais e nacionais, especialmente no caso da Câmara dos Deputados, que, em 2022, elegeu uma composição mais conversadora.
Partidos de esquerda (PT, PDT, PSB), mesmo se somados juntos, totalizaram 19,8%, um número ligeiramente maior ao primeiro colocado que, sozinho, obteve 16,2% das prefeituras do Nordeste.
O cenário da eleição de 2024
Novamente, recorrendo-se aos dados do DivulgaCand, selecionando-se apenas os prefeitáveis com candidaturas deferidas, deferidas com recurso e sub judice, o cenário é semelhante ao de 2020.
Na corrida atual, o MDB lidera a lista com 12,9% dos candidatos a prefeito, demonstrando sua persistência como uma força relevante na política local. O partido, que historicamente tem uma grande influência no Nordeste, continua apostando na sua capacidade de mobilização municipalmente, buscando manter ou até aumentar sua base de poder. Como visto, em 2020, o partido conquistou a terceira posição em número de prefeituras conquistadas.
Com 12% dos candidatos, o PSD continua consolidando seu espaço no cenário político nordestino, repetindo o desempenho forte observado em 2020, quando ficou em segundo lugar em número de prefeitos eleitos.
O PT aparece com 11,2% dos candidatos, procurando manter a relevância na região, que historicamente é uma de suas bases eleitorais mais fortes. Isso demonstra que, mesmo após os avanços do centrão, o PT continua competitivo no Nordeste.
PP e PSB, ambos, têm 9,3% dos candidatos. O PP, um dos principais representantes do centrão, visa ampliar sua presença local, enquanto o PSB, que tradicionalmente se posiciona como centro-esquerda, também tenta solidificar sua base. É importante destacar que o PP foi a maior força em 2020, com 16,2% de prefeitos eleitos na região.
Republicanos, União Brasil, PL, Avante e PSDB apresentam uma menor participação em comparação com os líderes, mas ainda ocupam uma parte significativa do espectro eleitoral, com porcentagens variando entre 7,4% e 4%. A presença do Republicanos, União Brasil e Avante reforça o papel crescente do centrão nessas eleições.
Pós-eleição
Com base nesses números, o cenário pós-eleitoral para 2024 tende a ser dominado por partidos do centrão, como PP, PSD, Republicanos e União Brasil. Esses partidos têm se destacado por sua capacidade de articulação e de obtenção de recursos, o que lhes dá uma vantagem estratégica nas eleições municipais, especialmente em regiões onde o apoio financeiro e o controle de máquinas locais são decisivos.
Espera-se que o centrão, com maior controle sobre as prefeituras, exija mais para negociar ao nível estadual e federal. Prefeituras fortes garantem influência sobre as políticas públicas locais, contratos municipais, e têm papel importante na construção de alianças para as eleições de 2026. Isso pode trazer um cenário de governabilidade mais negociada, com o centrão exigindo mais espaço e influência em trocas de apoio.
Por fim, é importante apontar que, embora o PT mantenha uma base considerável de candidatos no Nordeste, o fortalecimento do centrão pode significar uma maior competição em áreas onde antes o partido de esquerda era dominante. Isso pode impactar sua estratégia em eleições futuras, obrigando o partido a fortalecer sua base eleitoral e suas alianças. Um novo custo da coalizão com o governo Lula em Brasília poderá ser exigido, onde mais cargos poderão ser demandados e mais emendas impositivas aos municípios deverão ser repassadas e executadas a contento.