O Código Penal brasileiro, tal qual como a legislação de outros países ao redor do mundo, tipifica a redução de alguém à condição análoga a de escravo como crime, e a pena pode variar de dois a oito anos de reclusão, além da sanção correspondente à violência sofrida. A prática, que, historicamente não somente causou impactos quando era permitida pela lei, ainda que agora proibida, continua a manifestar suas consequências, em boa parte, perceptíveis.
De acordo com dados disponibilizados pelo Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, entre os anos de 2020 a 2022, a quantidade de trabalhadores resgatados em condições análogas ao trabalho escravo (isto é, aqueles efetivamente retirados do local de trabalho), aumentou em 163%. Em 2023, a tendência também é de crescimento. Isso porque de janeiro a março deste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) já resgatou 918 trabalhadores, o que corresponde a um aumento de 124% em comparação aos primeiros meses do ano imediatamente anterior (2022), sendo um número recorde para um 1º trimestre em 15 anos.
Os dados preocupantes também demonstram uma concentração regional dos casos de trabalho análogo ao de escravo. Um exemplo é o estado de Minas Gerais, que apresentou aumento de quase 200% no mesmo período analisado (2020-2022), sendo a unidade da federação com o maior número de trabalhadores encontrados nessas condições nos últimos anos.
A Lista Suja do Trabalho Escravo, importante instrumento criado para divulgar o nome de empregadores autuados por tal prática, e de competência do MTE, foi atualizada pela última vez no dia 05 de abril deste ano e a ela foram adicionados 132 novos nomes. O documento, que chegou a ser suspenso de 2014 a 2016, teve sua constitucionalidade posteriormente confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 509). A nova leva de empregadores adicionados à referida lista ratifica a tendência de alta concernente ao número de trabalhadores resgatados: dos 132 novos nomes, 35 são de Minas Gerais, 15 de Goiás, 13 do Piauí, 11 do Pará, 8 do Paraná, 8 do Maranhão, 7 da Bahia, 7 de Santa Catarina, dentre outros.
Mas, em suma, qual seria a razão para o crescimento do número de casos de trabalho análogo ao de escravo nos últimos anos? Por qual motivo, no Brasil, o fator regional parece ser determinante para isso? A atuação dos órgãos de fiscalização tornou-se mais ágil, o que explicaria a tendência de crescimento? Seja qual for a resposta para cada uma dessas indagações, é certo que há desídia do Estado quanto à implementação de políticas de combate ao trabalho escravo, situação que em países como o Brasil, expõem uma verdadeira chaga moral que vai de encontro à dignidade da pessoa humana, o fundamento basilar da nossa República, e que deve ser observado.
Por Lucas Patrícius de Medeiros Leite
Referências
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Radar SIT, 2023. Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 07 abr. 2023.
INSPEÇÃO DO TRABALHO – SIT. Cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-previdencia/pt-br/composicao/orgaos-especificos/secretaria-de-trabalho/inspecao/areas-de-atuacao/cadastro_de_empregadores.pdf. Acesso em: 07 abr. 2023.