A questão climática em julgamento: como o STF se tornou peça-chave na defesa ambiental
Dados sobre ações de controle concentrado de constitucionalidade informam o comportamento do Tribunal no julgamento de litígios ambientais
A emergência climática projeta-se como o maior desafio moderno da humanidade, de modo que a não implementação das medidas mitigatórias para que a atmosfera terrestre não alcançasse 1,5°C, fez do ano de 2024 o mais quente já registrado. No contexto de eventos climáticos extremos documentados em diferentes partes do planeta, o Brasil detém protagonismo estratégico na questão climática, sobretudo em razão da exuberância natural que possui, bem como de sua biodiversidade.
É diante desse cenário que o governo brasileiro tem buscado interlocução quanto ao tema, projetando-se enquanto player relevante internacionalmente. Nesse sentido, a tentativa de implementação de iniciativas que preservem o meio ambiente tem ganhado espaço, inclusive, no Poder Judiciário, notadamente perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
Durante a última presidência da corte, ocupada pela ministra Rosa Weber (2023-2024), o Tribunal formulou uma série de iniciativas institucionais que culminaram no termo “Pauta Verde”, tratando-se da gestão da pauta da Corte particularmente afetas aos litígios ambientais que lá tramitam. Com efeito, a atual gestão, presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso (2024-2026), alinha-se às iniciativas de sua predecessora.
As análises sobre a litigância climática perante o STF, em algum grau, associam a atuação da Corte a partir de uma atuação mais tuteladora do meio ambiente, considerando especialmente as iniciativas institucionais como a Pauta Verde. Porém, questiona-se a amplitude fática destas alegações diante da ausência de dados que as instruam.
No presente post, são analisadas todas as ações de controle concentrado em matéria ambiental ajuizadas entre 1989 e 2024 a partir do site Corte Aberta do próprio STF, resultando em 112 acórdãos e decisões; nestas últimas algumas ainda estão pendentes de julgamento terminativo de mérito. A catalogação dos dados permite informar, por exemplo, quais ações são mais manejadas pelos legitimados ativos perante a Corte.
Dentre as ações, tem-se 4 instrumentos à disposição: i) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI); ii) a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO); iii) a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC); e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). A representação abaixo informa a distribuição dentre o período analisado:
Da análise do gráfico, evidencia-se a grande quantidade de ADIs ajuizadas durante o período, indicando a quantidade de questionamentos de validade de leis ou atos normativos federais ou estaduais em face da Constituição. Em seguida, a ADPF apresenta-se como a segunda mais relevante. A partir dessa ação, é possível arguir a constitucionalidade de leis ou atos municipais e até anteriores à promulgação do Texto Constitucional, o que sugere a distribuição acima exposta. Com efeito, as ADOs e as ADCs representaram os menores percentuais, no período com 3,6% e 0,9%, respectivamente.
A catalogação das ações foi conduzida com a leitura das petições iniciais que a instruem. A partir dessa abordagem, permite-se compreender a natureza dos processos judiciais e sobre o que eles se tratam. Assim, feita esta análise, foi possível agrupar as ações em 11 categorias temáticas que divulgam o assunto principal de cada uma. Veja-se:
A tabela acima expõe a relação entre dois elementos constantes nos dados catalogados, a saber: o tipo do julgamento (favorável, desfavorável, parcialmente favorável e indiferente) e o assunto de cada ação. Da simples leitura, percebe-se uma prevalência de tipos “indiferentes”, sugerindo uma atuação autocontida do Tribunal nestas matérias. No entanto, ao se analisar o assunto “Competência Legislativa em Matéria Ambiental”, percebe-se um ponto fora da curva. Diz-se isso à medida que a quantidade de ações que englobam esse assunto de tipo favorável, ou seja, com julgamento a favor do litigante, foram 8.
Essa constatação coaduna-se com uma já debatida postura do STF pela Academia, sobretudo a de guardião de competências legislativas da União. Da análise dessas ações, percebe-se que todas tratam de litígios que questionam a legitimidade dos Estados e do Distrito Federal em editarem leis em matéria ambiental fora de suas competências constitucionais.
Outras constatações são apreendidas do comportamento do STF no que concerne aos elementos dos dados “Efeito dos Julgamentos”. O gráfico a seguir demonstra essas informações:
Do gráfico acima destaca-se a quantidade de ações consideradas “Prejudicadas”, isto é, aquelas que sequer tiveram o mérito apreciado sob o argumento de algum incidente processual específico. Assim, o impacto das decisões da Suprema Corte brasileira sobre normas ambientais apresenta algumas tendências que se evidenciam, visto que maioria dos processos não chega a uma decisão de mérito, sendo arquivados sem produzir efeitos concretos. As decisões que mantêm ou revogam normas impugnadas surgem em proporções similares, indicando uma oscilação do tribunal entre validar e invalidar normas ambientais sem estabelecer um padrão sólido de interpretação.
As decisões do Supremo Tribunal Federal permitem identificar que, mesmo com o crescimento das ações de matéria ambiental, e clara predominância de ADIs, o impacto efetivo das decisões é limitado e pouco significativo. A influência das liminares restringe-se em alterar a tramitação dos processos, sem qualquer modificação significativamente nos desfechos processuais. Além disso, a determinação de políticas públicas ambientais pelo tribunal é rara, mesmo havendo frequentes questionamentos sobre a constitucionalidade das normas ambientais.
Desse modo, a atuação do Supremo Tribunal Federal é indispensável na configuração do direito ambiental brasileiro, categoria erigida da própria Constituição. No entanto, verifica-se uma atuação preponderantemente conservadora e autocontida, focada na manutenção da estrutura normativa vigente, sem impulsionar reformas estruturais na aplicabilidade do direito ambiental que, paulatinamente, tem dado sinais de esgotamento em relação ao modo de vida e tratamento humanos.