Como anda a democracia latino-americana e caribenha?
A partir de dados deste ano, perspectivas sobre a saúde democrática dos países da América Latina e Caribe indicam alguns avanços e desafios persistentes entre os 32 países da região
Em 2024, dados sobre a democracia pelo mundo revelam que o regime anda a passos curtos em relação aos países. Na verdade, na última década, inúmera nações foram dirigidas por governos refratários sob o ponto de vista democrático. A literatura na Ciência Política e no Direito destaca características que podem indicar avanços ou retrocessos democráticos em um Estado. No âmbito da democracia liberal, por exemplo, aspectos como a proteção de direitos fundamentais, a existência de uma ordem jurídica sob a supremacia de uma Constituição, a divisão dos poderes do Estado e a representação popular por meio de eleições periódicas (seja direta ou indireta), são apenas alguns exemplos que permitem avaliar esse cenário.
Embora o processo eleitoral seja frequentemente associado ao fortalecimento do regime democrático, levantamentos recentes sugerem uma realidade mais complexa. Com base no estudo conduzido pelo World Justice Project Rule of Law Index, foram analisados este ano diversos indicadores democráticos. A avaliação contempla aspectos essenciais, como Poderes do Governo, Ausência de Corrupção, Transparência, Direitos Fundamentais, Segurança, Justiça Civil e Justiça Criminal. Esses critérios oferecem uma visão abrangente sobre o estado atual da democracia ao redor do mundo.
O relatório deste ano abrange a situação de 142 países, avaliando a qualidade do regime democrático com base na coleta de informações fornecidas por pesquisadores e comunidades desses países. Ou seja, os dados são obtidos diretamente de indivíduos que vivem nas respectivas nações. Neste post, analisarei os dados relativos à qualidade democrática na região da América Latina e Caribe, sobretudo a partir dos 32 países avaliados com base nos critérios mencionados acima.
Os índices utilizados para medir a qualidade do regime democrático variam de 0,00 a 1,00, sendo aplicados individualmente a cada variável coletada (Poderes do Governo, Ausência de Corrupção, Transparência, Direitos Fundamentais, Segurança, Justiça Civil e Justiça Criminal). A tabela abaixo apresenta a distribuição desses índices entre os países mais bem avaliados no ranking
Esses indicadores foram escolhidos para avaliar o desempenho e a integridade dos sistemas de governança, justiça e direitos fundamentais de cada país. Após a obtenção dos dados, foi realizada uma etapa de limpeza para garantir a padronização dos nomes e categorias das variáveis.
Os dados apresentados revelam diferenças significativas entre os países da América Latina e do Caribe. O Brasil, por exemplo, ocupa a 18ª posição no ranking, apesar de ser a economia mais influente da região. Os piores índices brasileiros identificados neste ano referem-se às variáveis da ausência de corrupção (0.45) e justiça criminal (0.33), os demais permanecem dentro de uma margem em 0.50 na escala utilizada, conforme expõe-se na tabela abaixo.
Em contraste, o Uruguai se destaca com o melhor índice democrático da América Latina e do Caribe, mesmo tendo vivenciado um passado autoritário como no caso brasileiro. Por sua vez, os países que mais retrocederam na amostra de 2024 foram Venezuela, Haiti e Nicarágua.
O caso venezuelano decorre notadamente em relação ao processo eleitoral ocorrido em julho deste ano. O pleito foi sobremaneira contestado pela comunidade internacional desde o início da campanha, sobretudo pela ingerência do presidente Nicolás Maduro em permitir que a oposição participasse das eleições, bem como pela suspeita de fraude nos resultados. O processo foi contestado, inclusive, pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo alinhamento próximo com Caracas ocorreu nos seus dois primeiros mandatos como presidente da República, entre os anos de 2003 e 2010.
No Haiti, a grave crise econômica e social decorre de vários fatores. O desabastecimento alimentício, a violência urbana organizada, a grave crise econômica e o assassinato, em julho de 2021, do presidente Jovenel Moïse, agudizaram a situação de declínio democrático no país caribenho. Lá, milícias urbanas disputam com o governo o controle do país, cujos índices de mortes violentas atingiram, apenas nos 3 primeiros meses deste ano, mais de 1.500 crimes de homicídio, segundo informações do Escritório de Direitos Humanos da ONU instalado em Porto Príncipe.
Por fim, destaca-se o caso da Nicarágua, onde o líder Daniel Ortega governa desde 2007. Em fevereiro e outubro deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu informativos sobre as graves violações de direitos humanos conduzidas pelo regime de Manágua, bem como pela ausência de eleições livres e justas.
A tabela a seguir informa sobre os países com as piores classificações no índice de democracia deste ano.
Nesse sentido, dentre os índices avaliados, aquele que mensura a situação dos direitos humanos nos países da América Latina é de particular importância. Em uma região marcada por altos índices de criminalidade urbana, crimes transnacionais e homicídios, o papel do Estado em garantir direitos fundamentais torna-se ainda mais desafiador e diretamente ligado ao atual cenário de crise democrática e de segurança.
A análise do índice de direitos fundamentais, isoladamente, revela discrepâncias significativas entre os países da região. O gráfico a seguir ilustra a distribuição desse índice entre os 32 países analisados, destacando o Uruguai como líder em termos de proteção e prevalência das garantias fundamentais, em contraste com as dificuldades enfrentadas por outros países em assegurar esses direitos essenciais.
As discrepâncias destacadas sugerem que, enquanto alguns países da América Latina progridem na proteção dos direitos humanos, outros ainda precisam superar barreiras significativas para oferecer as mesmas proteções a seus cidadãos, o que impacta diretamente a qualidade da democracia e a estabilidade social na região.
Essas observações permitem inferir que políticas de combate à corrupção, incentivo à transparência e proteção aos direitos fundamentais são estratégias fundamentais para fortalecer o Estado de Direito e aumentar a confiança da sociedade nas instituições. Para o Brasil e outros países com pontuações intermediárias, o legado de déficit democrático parece ainda persistir, notadamente em um contexto global de regimes refratários ao Estado de Direito.