Consciência Negra: apenas 2,6% dos docentes da UFERSA se autodeclaram pretos
Mesmo com avanços nas matrículas de estudantes negros, apenas 19,49% dos professores da UFERSA se autodeclaram pretos ou pardos; universidade reservou apenas 8 vagas via Lei de Cotas Raciais
A população negra alcançou os bancos das universidades. Segundo o Sou Ciência, o número de alunos pretos e pardos que estudam em universidades federais mais do que triplicou nos últimos treze anos. Esses alunos representavam 17% dos discentes matriculados em 2009 e, em 2023, passaram a 49%. Contudo, o acesso de negros ainda não chegou à sala dos professores. Dados analisados pela Fiquem Sabendo demonstram o nível da sub-representação no magistério superior, onde apenas 21% dos docentes se autodeclaram pretos ou pardos.
Ao se analisar os microdados do último Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é possível verificar também a sub-representação localmente, especificamente na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Esta verificação é importante tendo em vista que esta semana marca o Dia da Consciência Negra como feriado nacional pela primeira vez.
As políticas de acesso às universidades, como a reserva de vagas, têm desempenhado um papel importante na inclusão de estudantes negros no ensino superior. Entretanto, esse impacto não se estende de maneira proporcional ao corpo docente. No Brasil, apenas 21% dos professores universitários em exercício se identificam como pretos ou pardos, um número que contrasta de forma marcante com os 55,5% da população brasileira que se autodeclaram pardos ou pretos, segundo dados do Censo 2022 do IBGE.
A disparidade é ainda mais evidente no caso de professores autodeclarados pretos: apenas 2,9% do total, ou cerca de um em cada 24 docentes universitários, pertencem a esse grupo no Brasil, conforme o Censo da Educação Superior de 2023, divulgado em outubro. Esse índice equivale a menos de um terço da proporção de pretos na população brasileira, sendo de 10,2%.
Na UFERSA, a proporção de pretos e pardos (19,49%) é ligeiramente inferior à nacional. A cor branca é a predominante na Universidade do Semiárido (29,14%), conforme o gráfico a seguir.
O gráfico expõe uma realidade marcante de sub-representação racial na UFERSA. Apesar de avanços em políticas de inclusão no ensino superior, como as cotas raciais, os dados revelam que tais iniciativas não têm promovido uma mudança estrutural equivalente na composição racial do corpo docente, considerando tais percentuais.
Apenas 2,69% dos professores se autodeclaram pretos, e, quando somados aos pardos, a representatividade sobe para 19,49%, mas ainda aquém da média nacional de 21% de docentes do ensino superior, e muito distante do perfil racial do Brasil (55,5% de pardos e pretos).
Se ajustarmos nossas lentes para o início da Lei de Cotas Raciais (Lei nº 12.990), em 2014, veremos uma tímida ou estável evolução dos negros na UFERSA. A proporção de docentes pardos mostrou um decrescimento moderado, indo de 19,61% em 2014 para 16,80% em 2023, conforme o gráfico a seguir.
A presença de docentes pretos na UFERSA teve um leve aumento no período, começando em 0,89% em 2014 e atingindo 2,69% em 2023. Apesar disso, o crescimento é muito discreto e insuficiente para reduzir significativamente a sub-representação desse grupo. Embora o aumento seja positivo, os números permaneceram próximos de 1% até 2019, refletindo a ausência de avanços na representatividade desse grupo ao longo do tempo.
A baixa proporção de docentes pardos e negros na UFERSA pode ser explicada pelo descumprimento parcial à Lei de Cotas Raciais. Entre 2014 e 2023, a UFERSA publicou 29 editais de concursos públicos para o cargo de Professor do Magistério Superior, abrangendo 229 áreas do conhecimento e totalizando 261 vagas, conforme apresentado na tabela a seguir.
Contudo, a UFERSA adota uma prática comum em diversas universidades federais, conforme o ANDES-SN, que consite na segmentação dos códigos de vagas por centro e por departamento em seus editais. Isso resulta na pulverização ou fracionamento por áreas de conhecimento ao longo dos anos, geralmente com a oferta de apenas uma vaga por especialidade.
Tal fragmentação tem implicações diretas na aplicação da Lei nº 12.990/2014. A instituição justifica a não aplicação da reserva de cotas raciais com base no fato de que os editais oferecem um número insuficiente de vagas por cargo ou função para atender ao preceito legal: “Não haverá reserva de vaga racial, uma vez que o atendimento ao preceito legal que justificaria a reserva em apreço não se enquadra no número de vagas oferecido para cada cargo-função contido neste Edital”.
A partir de 2017, conforme a tabela anterior, nenhuma vaga foi reservada para candidatos negros. No total, das 261 vagas oferecidas ao longo de nove anos, apenas 8 foram efetivamente destinadas à cota racial, configurando um déficit de 43 vagas que poderiam ter sido reservadas a candidatos negros.
O descumprimento parcial da legislação de cotas se verifica mesmo depois do julgamento de sua constitucionalidade, efetivado pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, onde foi disposto que a reserva de cotas deve ser aplicada em todas as vagas do certame, sendo proibido o fracionamento conforme a especialização exigida.
Esses dados corroboram o entendimento de que, ao menos na UFERSA, a Lei de Cotas Raciais não corrige os efeitos da discriminação e do racismo institucional, impossibilitando o acesso de mais pessoas negras a um dos cargos mais relevantes da administração pública federal.
Dessa forma, a fragmentação das vagas por área do conhecimento e especialidade têm contribuído para a subutilização da política de cotas raciais na UFERSA, resultando na exclusão de um número de vagas (43) que poderiam ser ocupadas por pessoas negras e, consequentemente, reduziria o baixo número de docentes pretos e pardos atualmente verificado.
A baixa proporção de docentes negros, especialmente pretos, associada à falta adequada de reserva de vagas, denuncia as barreiras estruturais que dificultam o acesso de pessoas negras ao cargo de docente. Diante desse panorama, é urgente que a UFERSA adote medidas para corrigir essas desigualdades, a começar pela revisão de seus editais de concursos públicos e a aplicação correta da Lei de Cotas Raciais, conforme decidido pelo STF em 2017.