Evasão escolar recua, mas ainda afeta milhões de jovens pelo Brasil
Mesmo com a queda nos índices, cerca de 9 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos não concluíram o ensino médio; causas vão da necessidade de trabalhar à gravidez precoce.
Em uma sala onde cabem trinta estudantes, há um espaço vazio. Esse espaço já foi preenchido por um grupo de adolescentes, que se viram obrigados a se retirar de lá, ou decidiram por vontade própria, tendo sua trajetória interrompida e revelando uma realidade preocupante, que tem se perpetuado como um desafio ainda nos dias de hoje. Esse cenário marca um um Brasil que tenta se recuperar da ferida aberta que é a evasão escolar, através dos diversos programas de incentivo à permanência, o número de estudantes que evadem ainda é alto.
Os dados coletados pelo IBGE até 2023 demonstram que apesar da queda nos últimos anos, 19% dos jovens entre 15 e 29 anos não continuaram os estudos para concluir o ensino médio em 2023 ou não chegaram sequer a frequentar, o que em números brutos significa cerca de 9 milhões de jovens.
O índice de evasão escolar tem descido cada vez mais, de modo que o salto temporal torna-se evidente, na medida em que entre 2017 e 2023 observou-se uma diminuição de 5,7% no índice de jovens entre 15 e 29 anos que não concluíram o ensino médio, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), caracterizando a evasão escolar. Ela se diferencia do abandono escolar pois enquanto este configura apenas um hiato entre a saída da escola e a volta (geralmente no ano subsequente), aquela tem diz respeito à interrupção da vida estudantil de forma definitiva.
Segundo a pesquisa “Consequências da violação do direito à educação”, de Ricardo Paes de Barros e Laura Machado, com apoio da Oppen Social, de acordo com estimativas, a não conclusão da educação básica gera uma perda privada de R$ 290 mil durante a vida de um jovem, enquanto para a sociedade uma perda de adicional de R$ 104 mil. Portanto, a perda total para a sociedade é de aproximadamente R$ 395 mil. Esse déficit é apenas um dos motivos que tornam necessárias medidas que contornem a problemática, que se estende em diversos aspectos da vida social dos indivíduos afetados.
O que motiva a evasão escolar?
Os motivos alegados para a evasão são variados e igualmente preocupantes, todavia se destaca a necessidade de trabalhar, a falta de interesse do aluno e a gravidez, conforme se vê no gráfico a seguir.
Para Abramovay e Castro (2003), no estudo “Ensino médio: múltiplas vozes”, a literatura sobre evasão escolar classifica ela como uma falha no processo de ensino. Contudo, esse ambiente não é socialmente neutro, uma vez que, além da sua função oficial de transmitir o saber, também há espaço para a hierarquização e diferenciação dos jovens, adotando todos os padrões e normas das classes dominantes. Esse fato cria um ambiente de desigualdade para jovens das diversas classes sociais, o que contribui para o aumento dos índices.
Sob essa luz, a evasão parece um dos fatores que geram um círculo vicioso para perpetuar a pobreza, na medida que os jovens decidem abandonar os estudos para trabalhar. Não obstante, as pesquisas mostram que há relação significativa, embora não definitiva, entre a escolaridade e a renda média dos trabalhadores, o que pode causar prejuízo imediato.
O estudo feito por Delboni (2023), denominado Desigualdade de Rendimentos no Brasil: Uma Decomposição a partir da PNADC, concluiu que a escolaridade embora não seja o fator principal, está relacionado com os rendimentos dos trabalhadores brasileiros, pois “os resultados obtidos nas estimações em nível nacional (…) indicam que indivíduos com mais anos de estudos recebem rendimentos derivados do trabalho principal superiores aos indivíduos com menos anos de estudos.” Ou seja, quanto menos se estuda, menor a probabilidade de ganhar salários melhores.
A alegação simples de falta de interesse é um dado alarmante, que carece de intervenção, pois o mercado de trabalho em geral, ainda valoriza a escolaridade, especialmente no setor terciário, explicitado no estudo da Delboni supracitado. Portanto, no estudo de Abramovay e Castro (2003), em uma das interpretações, no insucesso escolar não deve-se responsabilizar, de forma unilateral, a escola, os professores, o aluno ou os pais, já que esse resultado advém de um processo conjunto e cheio de contradições.
A evasão sob uma perspectiva de gênero
Outra questão pertinente é o abandono dos estudos e consequente não conclusão do ensino médio devido à gravidez. As mulheres compartilham com os homens as razões financeiras e de interesse nos estudos em seus motivos para evasão escolar, no entanto, o segundo maior motivo ainda é a gravidez e o quarto, quase exclusivo para as mulheres, é a necessidade de cuidado com outras pessoas ou suas casas.
Nesse sentido, os papéis de gênero se evidenciam na realidade ainda contemporânea, em que as jovens mulheres deixam seus estudos para fornecer cuidado a sua prole ou a outros, enquanto a maior parte dos homens seguem com a responsabilidade de prover através do trabalho remunerado, ainda que não necessariamente qualificado.
As ações do Estado para combater a evasão escolar
Os dados do IBGE esclarecem que cerca de 38% da evasão ocorreu após o jovem completar 18 anos, portanto, a maior parte da evasão ocorre em idade escolar, que podem ser evitadas por políticas públicas de incentivo aos estudos.
Pensando nisso, em novembro de 2023 o Governo Federal lançou o programa “Pé-de-meia” que visa incentivar a continuidade nos estudos através do repasse de uma bolsa financeira aos alunos do ensino médio. A expectativa é que o auxílio ajude a reduzir o índice de evasão, sendo que, para especialistas em entrevista ao Nexo, o programa precisaria passar por alguns ajustes, considerando que, o auxílio por si só, não consegue mitigar as desigualdades. Outros problemas, como de infraestrutura, precisam ser observados nessa equação, inclusive, o papel que a alimentação escolar exerce na permanência do estudante.
Para a pesquisadora Laura Müller Machado, em publicação para a Folha de São Paulo, a estimativa é que para os jovens que veem a falta de renda como um empecilho para frequentar a escola, a bolsa seja mais efetiva, todavia, para aqueles que alegam outras questões, como a falta de interesse, talvez ela não tenha os mesmos efeitos. Ainda cabe destacar a necessidade do amadurecimento do sistema de ensino, para que o programa venha a tomar maiores proporções.
Portanto, ao percebermos que cerca de 60% dos alunos abandonam a escola até a idade de 17 anos, programas como esse podem colaborar para a diminuição da evasão escolar. Todavia, a eficácia dessa medida e de outras ainda será evidenciada com os dados da educação brasileira nos próximos anos.