Mulheres são 59,1% dos estudantes, mas apenas 47,5% dos docentes: o abismo de gênero no ensino superior brasileiro
Na UFERSA, somente 39,2% dos docentes são mulheres, refletindo uma disparidade maior que a média nacional e estadual; efeito tesoura impede equidade de gênero na docência universitária
As mulheres alcançaram os bancos das universidades. Segundo o Censo da Educação Superior 2023, edição mais recente da pesquisa divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a participação feminina no ensino superior no Brasil corresponde a 59,1% do total, com aproximadamente 5,9 milhões de alunas entre os cerca de 10 milhões de matriculados nesse nível de educação.
Contudo, as mulheres ainda são minoria no quadro docente universitário. Segundo o Jornal da Unicamp, em uma década (2008-2018), a participação feminina entre os professores cresceu somente 1%, de 44,5% para 45,5%. A partir dessa constatação, o que nos dizem, então, os últimos dados?
Ao se analisar os microdados do último Censo da Educação Superior é possível verificar a persistência da sub-representação na sala dos professores. Esta verificação é importante tendo em vista que neste mês comemorou-se o Dia Internacional da Mulher, uma data que define uma homenagem às mulheres que lutaram e lutam por igualdade de direitos, melhores condições de trabalho e por ocupação de espaços.
De acordo com os dados do Censo, há uma desproporção de gênero entre os docentes em exercício no Brasil. Enquanto os homens ocupam 52,5% das vagas, as mulheres representam apenas 47,5%.
Essa disparidade é ainda mais surpreendente quando consideramos que as mulheres são maioria nos cursos de pós-graduação. Um levantamento realizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em 2021, mostrou que as mulheres correspondiam a cerca de 54% dos estudantes em cursos de pós-graduação, portanto, 221 mil dos 405 mil matriculados naquele ano. O fenômeno é estudado e conhecido pelo nome de efeito tesoura, que, em uma perspectiva de gênero, consiste na redução da presença feminina na medida em que a sua carreira científica progride.
Esse estigma é reforçado pelos dados do Ministério da Educação, que revelam que o ensino básico é majoritariamente realizado por mulheres. De um total de 2.315.616 profissionais do ensino, 1.834.295 (79,2%) são professoras. Esses números ressaltam a necessidade de políticas públicas mais amplas para esse grupo, que enfrenta desafios que impedem uma participação ainda mais efetiva nas etapas mais avançadas de ensino.
Nesse sentido, em entrevista ao Jornal da Unesp, Adriana Neumann, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ressaltou que os motivos que intensificam o efeito tesoura vão além das bolsas de ensino, estando intrinsecamente relacionados a questões de assédio, desigualdade de gênero e parentalidade. Assim, a sobrecarga enfrentada pelas mulheres desempenha papel relevante no fenômeno da disparidade entre os docentes do gênero masculino e feminino nas instituições de ensino superior.
Análise regionalizada
A partir dos dados fornecidos pelo Censo da Educação Superior, também foi possível elaborar um gráfico com a distribuição regional de docentes por gênero.
O Sudeste é a região com a maior disparidade de gênero, com uma diferença de 9,6 pontos percentuais a favor dos homens. Essa região concentra o maior número de universidades e instituições de pesquisa do país, incluindo grandes universidades públicas e privadas. A predominância masculina pode estar associada à maior oferta de cursos nas áreas de exatas, engenharias e tecnologia, nos quais a participação feminina ainda é baixa.
O Nordeste é a região com a distribuição mais equilibrada entre gêneros, com uma diferença de somente 1 ponto percentual. Esse equilíbrio pode ser reflexo da maior presença de mulheres em áreas como humanidades e saúde, que são mais representativas nessa região.
No Centro-Oeste, Norte e Sul, a diferença entre os gêneros varia entre 1,8 e 3 pontos percentuais a favor dos homens. Esses números sugerem que, embora a participação feminina na docência esteja próxima à paridade em algumas regiões, ainda há um leve predomínio masculino. O gráfico abaixo pormenoriza a análise, com dados estaduais acerca da distribuição dos gêneros no ensino superior.
A análise por estado reforça a predominância masculina na docência do ensino superior, embora as diferenças variem conforme a localidade. São Paulo lidera em números absolutos, seguido por Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde há um maior contingente de docentes homens. No entanto, observa-se que em alguns estados, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba e Piauí, onde a distribuição entre os gêneros é mais equilibrada.
Além disso, há estados onde as mulheres superam os homens na docência, como na Bahia, Maranhão e Rio Grande do Sul, indicando avanços na presença feminina em determinadas regiões. No Rio Grande do Norte, a distribuição de docentes no ensino superior segue a tendência nacional de predominância masculina, com 54,3% de homens e 45,7% de mulheres. Quando comparado ao cenário nacional, o estado apresenta uma distribuição desigual de docentes mais acentuada do que média do Brasil, conforme é possível observar no primeiro gráfico.
Disparidade de gênero na UFERSA
A disparidade de gênero é ainda mais preocupante quando observamos o cenário da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), evidenciada pelo gráfico a seguir. A análise revela uma disparidade significativa, com 60,8% de homens e 39,2% de mulheres no quadro docente.
A instituição apresenta uma diferença percentual maior do que a média estadual e nacional, evidenciando um quadro de desigualdade mais expressivo. O exame dos dados da UFERSA em conjunto com a análise regionalizada apontam que essa desigualdade não é um caso isolado, mas sim um reflexo de um fenômeno mais amplo que afeta diversas universidades do país.
Perspectivas futuras?
Os dados analisados evidenciam que, apesar do avanço das mulheres no ensino superior como alunas e pesquisadoras, a sub-representação feminina na docência universitária persiste, configurando um cenário que exige atenção e medidas concretas. O efeito tesoura, aliado a barreiras estruturais e institucionais, restringe a ascensão das mulheres na carreira acadêmica, especialmente nas universidades de maior prestígio e nas áreas tradicionalmente dominadas por homens.
Garantir maior representatividade feminina no corpo docente das universidades não é somente uma questão de justiça social, mas também um passo fundamental para o desenvolvimento acadêmico e científico do país. O enfrentamento dessas desigualdades requer ações concretas e compromisso institucional para que, no futuro, o espaço das mulheres na educação superior não se limite às salas de aula como alunas, mas se amplie de forma mais equitativa para os quadros docentes.