Orçamento impositivo na educação superior?
Dados entre 2016 e 2023 refletem como ocorreu a distribuição de emendas parlamentares nas IFES potiguares
Emendas parlamentares concretizam a indicação de despesas públicas no limite de 2% do orçamento global projetado a cada Lei Orçamentária Anual da União, a fim de atender demandas específicas de deputados federais e senadores. O fluxo desses recursos ocorre desde sua proposição parlamentar, passando por diferentes níveis da burocracia estatal do Governo Federal até a execução por meio de transferências intergovernamentais, concretizando um importante marcador para explorar o funcionamento do sistema político, financeiro e burocrático do Brasil.
Decorrida quase uma década de sua implementação, o chamado orçamento impositivo compõe um campo de análise vasto, uma vez que é possível observar sua distribuição por áreas, instituições ou setores estratégicos, verificando onde reside o interesse dos parlamentares federais, bem como a partir do impacto que ele causa nas finanças dos órgãos que as recebem. Com a instituição do teto de gastos em 2016, as emendas passaram a servir como fonte adicional de recursos para diversas instituições, como as universidades e institutos federais.
Diante desse quadro, é importante compreender quais são as características da distribuição de recursos do orçamento impositivo em instituições de ensino superior do Rio Grande do Norte ao longo do tempo, para, além de levantar a quantidade de emendas impositivas executadas em cada universidade, relacionar os seus autores, valores executados e comparar o padrão de repartição desses recursos. Optou-se pelo período entre 2016, um ano após a constitucionalização do orçamento impositivo, e 2023, por se tratar do último período financeiro já finalizado. A coleta dos dados ocorreu no Portal SIGA Brasil, do Senado Federal, e todos os valores em reais estão atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de junho de 2024.
1. Distribuição das emendas e dos valores
A primeira análise distributiva se refere à quantidade de emendas recebidas por cada instituição de ensino superior potiguar ao longo do período de interesse. O Gráfico 1 mostra a quantidade de emendas parlamentares recebidas pelas três instituições de ensino superior do Rio Grande do Norte: Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o que totalizou 91 emendas no período.
A UFRN é a instituição que mais atraiu emendas parlamentares. Essa posição de destaque pode estar atrelada a diversos fatores, como sua maior visibilidade, reconhecimento em áreas estratégicas e por sua sede se localizar na capital do Estado, berço de vários parlamentares federais. Apresenta, ainda, flutuações significativas ao longo dos anos, com um pico notável em 2018, quando recebeu 10 emendas, seguido de declínio em 2019 e uma estabilização relativa nos anos seguintes.
A UFERSA se firma como a segunda força em número de emendas, demonstrando sua relevância no cenário educacional potiguar, com um crescimento contínuo de 2016 a 2018, um declínio acentuado em 2019, seguido de um pequeno aumento em 2020, e uma nova queda em 2023, indicando uma redução após os picos anteriores. O baixo número a partir de 2020 pode estar relacionado à instabilidade na sucessão da reitoria, quando a terceira colocada na consulta informal à comunidade foi nomeada pelo então Presidente Jair Messias Bolsonaro.
Em último lugar, o IFRN, com suas 23 emendas, possui posição estratégica principalmente por possuir, além da educação superior, também a profissional e tecnológica. A quantidade de emendas apresentou um crescimento inicial até 2018, seguido por uma queda até 2020, com um leve aumento nos anos subsequentes. Em 2016, o IFRN não recebeu nenhuma emenda, mas alcançou seu ponto alto em 2018, com 4 emendas. Em 2023, houve uma recuperação gradual, registrando 3 emendas.
Comparando as três Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), 2018 foi um ano de destaque para todas, especialmente para a UFRN, que recebeu 10 emendas. Em 2019, todas as instituições tiveram uma redução significativa no número de emendas. Em 2023, a UFRN voltou a liderar com 6 emendas, enquanto o IFRN e a UFERSA apresentaram números menores, 3 e 2 emendas respectivamente.
Entre 2016 e 2023, os parlamentares, individualmente, e a bancada, ou seja, o conjunto de parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado Federal que representam o Estado, enviaram recursos na ordem de R$ 123 milhões de reais. Ao se analisar a distribuição dos valores, e não o número de emendas em si, há uma mudança de cenário, já que o IFRN passa a ocupar a primeira posição em valores executados, com quase metade do montante enviado a todas as IFES, conforme o Gráfico 2.
A UFRN, apesar de ter o maior número de emendas, fica em segundo lugar em relação ao montante executado. Isso se explica pelos baixos valores em suas emendas, ao passo que as do IFRN são mais consideráveis. A menor fatia do orçamento impositivo foi destinada à UFERSA, com um valor seis vezes menor que aquele destinado ao Instituto Federal.
2. O impacto dos parlamentares
Quem são os autores dessas emendas e qual o montante enviado de forma geral por cada um deles? A análise revela que a deputada federal Natália Bonavides é a parlamentar que mais destinou recursos para as IFES potiguares, com um total de R$ 10.210.519,90. Em seguida, aparece a senadora Zenaide Maia, com um montante de R$ 8.353.259,35, acompanhada da ex-senadora e atual governadora, Fátima Bezerra, com R$ 7.279.867,38. Os demais parlamentares e os recursos por eles destinados podem ser visualizados no Gráfico 3.
Os parlamentares com menores montantes executados são os deputados federais Garibaldi Alves Filho, com R$ 136.028,71, e Carla Dickson, com R$ 114.011,08. Além disso, percebe-se que Natália Bonavides, Zenaide Maia e Fátima Bezerra, juntas, somam mais de R$ 25 milhões em emendas para as IFES potiguares. Os valores apresentados indicam a influência e o empenho desses parlamentares em direcionar recursos para a educação superior do Estado, considerando que o valor global de emendas individuais enviadas equivaleu a mais de R$ 50 milhões.
A bancada potiguar também enviou recursos por meio das emendas parlamentares de bancada – uma modalidade que passou a existir em 2019 -, na ordem de quase R$ 73 milhões entre 2020 e 2023. A UFERSA, contudo, foi a única IFES que não recebeu emendas deste tipo.
3. Tipos de ações financiadas
Buscou-se compreender também para quais ações os recursos das emendas foram encaminhadas. Denota-se que o IFRN executou a maior parte das emendas na categoria de assistência ao estudante e funcionamento das instituições, o que pode indicar uma prioridade institucional voltada ao apoio direto aos alunos e à manutenção das operações diárias, conforme o Gráfico 4 explicita.
A UFRN teve destaque na ação no fomento às ações do tripé acadêmico, recebendo 99% das emendas nessa categoria, e também teve uma parte considerável nas categorias de funcionamento e modernização. A UFERSA recebeu a menor porcentagem de emendas em todas as categorias, o que pode sugerir menor foco parlamentar ou necessidades diferentes em comparação às outras duas instituições.
De maneira geral, verificou-se ainda que os parlamentares estão mais preocupados nas ações de reestruturação, expansão e modernização (R$ 61 milhões) e no próprio funcionamento das IFES (R$ 38 milhões).
A partir dos dados catalogados, foi possível perceber que a distribuição das emendas parlamentares entre as IFES do Rio Grande do Norte revela não apenas as prioridades e interesses dos parlamentares, mas também as necessidades e estratégias institucionais dessas instituições, a começar por uma tendência alocativa de emendas individuais para áreas ligadas ao espaço físico ou estrutural das próprias universidades, ligados à modernização e funcionamento.
Isso pode indicar que a maior dificuldade dessas instituições ocorre em tais setores, justificando a atuação dos parlamentares a despeito de outras necessidades também igualmente urgentes, como financiamento do tripé acadêmico e apoio à permanência dos discentes.